Em julho de 2004, o ministro relator, Marco Aurélio Mello, expediu liminar aprovando a ADPF 54 e, durante três meses, mães com bebês anencéfalos no ventre puderam realizar aborto sem a necessidade de autorização judicial. Em outubro, no entanto, após forte campanha da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a liminar foi cassada pelo plenário do Supremo. De lá para cá, diversas audiências públicas sobre o assunto foram realizadas e o assunto volta a ser julgado nesta quarta (11).
Já há sete anos, Amanda Ferraz, com então 31 anos, abortava seu bebê anencéfalo. Aos sete meses de gestação, descobriu a má formação do feto , mesmo assim, pensou em seguir com a gravidez até os nove meses. No entanto, por recomendações médicas, iniciou o processo judicial para interromper a gestação. De acordo com o médico Olímpio Moraes, a gravidez em casos de anencéfalos aumenta os riscos para a mãe: “A barriga cresce mais, são mais as estrias, os edemas, as inchações, além de todo o trauma psicológico de carregar por nove meses uma criança que, se chegar a nascer, vai morrer, na maioria dos casos, em poucas horas”. Com Amanda Ferraz, a pressão arterial atingiu níveis tão elevados que fez com que seu médico a aconselhasse a interromper a gestação: “Ele me disse que na medicina às vezes é preciso optar entre a criança e a mãe e que, naquele caso, era preciso optar pela minha vida já que a criança iria falecer”.
Amanda conseguiu a autorização judicial com facilidade. “Tive que contratar um advogado, levar o laudo médico e o juiz concedeu a autorização em um dia; no dia seguinte, já dei entrada no hospital”. Veio a parte mais difícil: o procedimento para a retirada do bebê. Para o juiz, a jovem deveria realizar um parto normal para a retirada do feto. Como ainda estava com sete meses de gestação, ficou internada no Hospital Barão de Lucena e, durante doze dias e de hora em hora, o medicamento Citotec foi injetado na vagina para que houvesse a expulsão da criança. O feto não reagiu e a junta médica decidiu colocar na vagina uma sonda que soltava ar. Ainda sem resultado, durante uma hora, outra sonda injetou soro. Com o soro, Amanda começou a sentir as contrações do parto normal, mas o que veio foi apenas sangue e os médicos acreditaram que o feto já estava morto.
Diante do panorama clínico, foi realizada uma cirurgia cesária. A mãe foi informada dos altos riscos que corria, mas o procedimento foi realizado e com sucesso. Amanda não quis ver o filho e hoje se arrepende por não visualizá-lo. O feto foi doado para que a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) realizasse estudos. “Mas nem sei mesmo se foi para a UFPE, eu acho é que eles jogaram na lata do lixo. Às vezes, tenho vontade de ir atrás, de procurar saber o que aconteceu, mas tenho medo do que posso encontrar”. A mãe, mesmo que quisesse, não poderia ter feito um enterro: “Ele não chegou a ter 500g por isso eu não tinha o direito de fazer o sepultamento”.
Para Amanda, que conseguiu a autorização judicial em um dia, o intermédio dos juízes nesse processo é necessário. “É um aborto, né? Então é necessário um controle maior; se eu pudesse, teria levado a gravidez até o fim”. A mulher não teve coragem de engravidar novamente.
O frei Dennys Pimentel, presidente da Pastoral para a Vida e a Família, garante que a posição da Igreja Católica continua sendo a mesma: “É um aborto e, em relação ao aborto, a Igreja não tem meias medidas: é preciso seguir os ensinamentos de Jesus Cristo e defender a vida”. Já o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, pretende se declarar só após a decisão do Supremo que deve ocorrer até esta quinta-feira (12).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quarto país do mundo em partos de anencéfalos, depois do México, Chile e Paraguai e, de acordo com pesquisa publicada em 2009 e feita com 1.814 médicos filiados à Febrasgo, de 9.730 mulheres atendidas nos últimos 20 anos com diagnóstico de feto com anencefalia, 85% preferiram interromper a gestação. (Do NE10)