Após meses de expectativa, ela chegou. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, e os líderes do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) entregaram ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) que apresenta a reforma administrativa. A solenidade aconteceu no Salão negro da Câmara, no início da noite desta quinta-feira (03). Integrantes do governo e parlamentares elogiaram a iniciativa do governo, mas ninguém espera cordialidade no futuro. A proposta já recebeu uma série de críticas assim que se tornou pública. É considerada tímida, sem efeito fiscal imediato e preserva as carreiras mais onerosas do serviço público. Quanto aos servidores, eles se preparam para assegurar direitos adquiridos e impedir o que consideram desmonte do Estado.
Jorge Oliveira considerou que a reforma “possibilitará ao Estado brasileiro avançar nos próximos anos e prestar um melhor serviço à toda a população”. Ricardo Barros, na sua fala, lembrou que 25% da força de trabalho dos serviços públicos se aposentarão nos próximos cinco anos. “E precisarão ser substituídos. Com a digitalização, home office, questões afetas à modernidade, precisamos de menos pessoas com qualificação diferente. E esse novo modelo permitirá a meritocracia no serviço público”, afirmou. O senador Eduardo Gomes optou por somente manifestar a confiança no Congresso na condução dos debates.
Último a falar, Rodrigo Maia repetiu a necessidade de pensar a reforma como uma maneira de melhorar a qualidade do serviço público. “Não podemos mais tirar da sociedade com impostos e do outro lado sair muito pouco em serviços da sociedade. Entregamos R$ 1 e sai R$ 0,20, e com pouca qualidade”, acrescentou.
No entanto, a reforma tem problemas. A proposta encaminhada pelo governo vale, somente, para novos servidores e sem impacto fiscal algum no curto prazo, apesar do discurso dos técnicos de que é preciso reduzir os gastos com pessoal para evitar um colapso nas contas públicas e atrasos de salários.
Ao detalhar a PEC, técnicos do Ministério da Economia elencaram, entre as mudanças, a redução no número de carreiras; férias acima de 30 dias no ano; novas formas de contratação com prazos determinados; fim de vantagens como licença prêmio; aposentadoria compulsória e aumentos retroativos. O texto tem as linhas mestras para a nova estrutura da administração pública, prevendo que a regulamentação da proposta ocorrerá depois, de forma fracionada. Nem mesmo a definição dos cargos que vão integrar as carreiras de Estado, com garantia de estabilidade, está prevista na PEC. Por esse motivo, o governo disse que ainda não é possível calcular qual será o impacto fiscal da reforma realizada.
A expectativa é de que o embate no Congresso durante a tramitação dessa PEC será duro, pois haverá lobby das categorias com influência entre os parlamentares para manterem a estabilidade. O governo, por sua vez, precisará de muita articulação política para conseguir resultado favorável com a reforma, tanto na redução de despesas, quanto na melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.
Apesar da afirmação dos técnicos de que a reforma vai valorizar o bom servidor, a PEC é considerada superficial por analistas porque não tem impacto fiscal no curto prazo e não corrige as desigualdades entre os trabalhadores do setor público. Deixa de fora a turma do “sangue azul”, a elite do funcionalismo, assim como militares, magistrados e parlamentares. Em grande parte, esses servidores recebem penduricalhos que fazem os rendimentos ficarem muito acima do teto salarial atual do setor público, de R$ 39 mil ao mês. Enquanto isso, os trabalhadores do chamado carreirão, que representam 80% dos servidores federais, principalmente, professores e funcionários da saúde, devem ser os mais afetados pela reforma.
Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, a reforma administrativa é oportuna, pois um em cada seis servidores vai se aposentar nos próximos cinco anos, o equivalente a 95 mil profissionais, aproximadamente. “Essa é a oportunidade de corretamente começar com outros com salários iniciais, menores e mais próximos dos valores de mercado”, disse. Contudo, ele lamentou o fato de PEC não afetar o Judiciário e o Legislativo, “onde estão os maiores privilégios”.