Por Ícaro Diniz, Arquiteto e Urbanista
É fato que a maioria das cidades brasileiras foram construídas a partir da arquitetura vernacular, sem a instrução de um profissional na área da construção civil, seja arquiteto, engenheiro ou construtor, poucas obras eram feitas a partir de um planejamento, um projeto arquitetônico, mas aqueles que foram feitos, possuem um grande valor histórico para a cidade, estado ou até mesmo para o país.
Na cidade de Serra Talhada não foi diferente, aqui, possuímos um acervo arquitetônico das mais diversas escolas artísticas, do Colonial, Art Decor, Modernismo, Contemporâneo e até mesmo ao Neogótico Eclético da Matriz de Nossa Senhora da Penha. Cada uma dessas edificações contam uma parte da história da cidade e mostram que ela sempre esteve associada aos movimentos arquitetônicos da época.
Esse é um dos papéis do arquiteto na sociedade, pois ao identificar a veracidade histórica de uma edificação, ele tem a responsabilidade de, como profissional não permitir que a história que a envolve seja destruída para dar lugar a outra edificação sem vínculos com a cidade.
Para entender os princípios do restauro é necessário entender o conceito criado por alguns teóricos, como Violet Le Duc, que defendia que “restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento!” Le Duc, era contra uma mera “retrospectiva” da edificação e que o presente e suas tecnologias devem influir para o bem do monumento.
Esse conceito é um dos mais compreendidos, visto a dificuldade que seria tornar possível alguns materiais e técnicas onde nem tudo pode ser acessível na maioria das cidades no interior do brasil. Eu particularmente gosto de integrar o conceito de Le Duc ao de John Ruskin que defende a ideia de que as edificações pertenciam ao seu “primeiro construtor”, ou seja, a população de determinada localidade que se tornava herdeira desses bens culturais, estabelecendo uma relação de compromisso social, entre a presente e as futuras gerações, para a preservação das edificações históricas em sua concepção original, evitando assim, atos de negligência e descaso.
Durante minha trajetória profissional, fui responsável por algumas edificações que representam a história de Serra Talhada – PE e que apesar do bom estado, nunca haviam passado por algum tipo de restauro, aliás o descaso na maneira como foram reformadas, só mostra o quanto ainda precisamos evoluir em matérias de patrimônio histórico.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Imagem 01 e 02), foi o meu primeiro trabalho como arquiteto atuante na cidade e que me aproximou ainda mais da história de Serra Talhada e o compromisso com seu acervo arquitetônico, pois ela [a igreja] é de fato a responsável pela construção e desenvolvimento da cidade. O tema será explanado no Livro “O Trajeto da Penha” de minha autoria que aborda o desenvolvimento urbano de Serra Talhada a partir do trajeto e construção das Igrejas dedicadas a Nossa Senhora da Penha em Serra Talhada.
Em um segundo momento também fui chamado para uma intervenção na fachada de um dos mais importantes edifícios históricos (Imagem 03 e 04), onde abrigou o ilustre Enock Ignácio de Oliveira e foi a Casa Paroquial da Matriz da Penha, o casarão com belos adornos, retrata algo do que foi a arquitetura do Art Decor, com suas formas geométricas e escalonamentos, misturados às técnicas locais aplicadas nas fachadas residenciais e comerciais da época.
Preservar a identidade da edificação foi um desafio, visto que na época a atual inquilina necessitaria de uma vitrine para exposição dos produtos, sendo cuidadosamente removidas as janelas e guardadas para posteriormente retornarem ao seu lugar de origem, o que de fato deve acontecer, visto que o local já possui outra função.
A última edificação que concluímos (Imagem 05 e 06) está novamente no coração da cidade de Serra Talhada e assim como as outras ela possui papel importante na construção do desenvolvimento da cidade. Um conjunto arquitetônico edificado para abrigar a produção do beneficiamento do Caroá e do algodão produzidos na região que dali eram distribuídos. A edificação possui elementos do Art Decor, mas talvez sejam apenas pequenas referências construídas na época do ecletismo, na qual a maioria das edificações foram erguidas na cidade.
O fato é, uma mesma edificação que conta uma nova história, sem perder suas referências no tempo, apesar de uma nova função. Esse é o compromisso do arquiteto ou engenheiro ao enfrentar desafios como estes. Apesar de não termos nenhuma edificação tombada em nosso município, não nos impede de preservar e impedir a destruição da nossa história, pois como disse um velho amigo: “Assim como não é necessário leis para amar, também não deveriam ser necessárias as leis para preservar a nossa história, deveria ser natural e pleno como o amor!”
O diálogo em torno de um plano diretor tem se mostrado cada vez mais necessário em Serra Talhada, assim sendo também necessário que entre os debates estejam incluídas diretrizes para intervenções nas edificações históricas da nossa cidade, de forma que valorize as edificações, dando-as novas funções sem perder sua essência arquitetônica, como comprovado acima que a preservação não diminui o “valor comercial” da edificação, aliás tende cada vez mais a aumentá-lo na medida que damos a devida importância para elas.